Brasileiro Kan Chuh relata um pouco dos seus dias no mar durante a Transat 6,5
Fonte: Revista Náutica Online
O velejador Kan Chuh, único representante brasileiro na regata La Charente-Maritime/Bahia Transat 6,5 2011, a Mini Transat, escreveu um relato emocionado e disponibilizou um vídeo sobre os dias que passou no mar, durante a segunda etapa da competição, entre Funchal, no Arquipélago da Madeira, e Salvador, na Bahia. Morador da capital baiana, Kan Chuh foi recebido com muita festa ao cruzar a linha de chegada, no último dia 4, em 21º lugar entre os 33 velejadores solitários que concluíram a prova.
“Depois de um bom descanso em Funchal, estava muito tranquilo e preparado para a segunda etapa. A previsão era ótima, com ventos folgados, popa em 80% do tempo e previsão de chegada em 2 de novembro. O primeiro dia foi com vento fraco de Oeste e mar liso. Velejada muito boa e seca.
O segundo dia já foi conforme a previsão, com vento Nordeste. No final da tarde o vento aumentou e o barco atravessou, então tirei o spi-max e coloquei o spi-med, mas, de noite, com 25 nós, o barco atravessou de novo em uma rajada. Tirei o spi medio e coloquei o spi pequeno.
De madrugada o vento aumentou mais ainda e o barco atravessou de novo. Arribei e, num erro, o barco deu um jaibe chinês! Foi um parto para baixar o balão com ondas, e vento acima de 30 nós! Pensei que fosse perder o mastro. Perdi 30 minutos e fiquei exausto e todo molhado. Levei quatro horas de balão para abrir quatro milhas do barco 722 e, num erro, já estava duas milhas atrás dele. Estava muito cansado e decidi ficar sem balão o resto da noite.
De manhã estava junto dos barcos 722 e 758, eles avisaram no VHF que iam dormir e aproveitei para tirar o riso e andar um pouco mais. Abri três milhas em seis horas. Eu não sabia, pois não temos informações a bordo, mas, nesta noite, muitos barcos quebraram e, destes, 12 tiveram que abandonar a regata em Cabo Verde. Fiz bem em ser mais conservador.
Em seguida foram dois dias de popa com ventos médios (15 a 25 nós) muito agradáveis, pois surfava muito. A rotina diária era ajustar velas, navegação, se alimentar, secar o barco, estudar meteorologia, descansar, anotar posição,trocar velas...
Depois começaram os imprevistos: entrou um Sudoeste de 25 a 35 nós na cara por 24 horas e foi muito difícil velejar, quase em modo de sobrevivência para não quebrar o barco.
A rotina desta segunda etapa foi mais cansativa, pois ficava praticamente 24 horas em regata para avançar no ranking. Descansava de dia e muito pouco à noite, três a quatro horas no máximo, das 4 às 7 da manhã. A previsão de ventos predominantes favoráveis não se realizou. A realidade foi mais dura e difícil o tempo todo. Eu esperava mais ventos favoráveis (través e popa), porém, tive quase 40% de contravento.
Nós recebemos apenas uma informação meteorológica por dia (tipo Marinha do Brasil: Se o tempo fica feio e o rádio-ssb não pegar, você fica sem informação e tem que navegar no chutômetro, o que não é coisa rara. De qualquer forma, as previsões só acertavam 50% do tempo. Ninguém sabe a posição de ninguém, apenas sabe a distância de cada um para o destino. Não sabemos se um barco foi para leste ou para oeste.
Na segunda etapa praticamente só vi barcos nos dois primeiros dias, depois vi apenas três barcos por dois dias no pot-a-noir (zona dos dolldrums). Depois não vi mais ninguém nem consegui nenhum contato no VHF. foi uma regata realmente solitária. Com três milhas de distância, você não vê mais o outro Mini.
Foi tudo muito molhado, muito cansativo, muito difícil, muito exaustivo para me manter entre 20º e 25º lugar... Muitas manobras, andando sempre no meu limite... Os caras da frente são realmente muito bons mesmo.
Todos que fizeram a regata são uns heróis, pois é realmente ir ao extremo da resistência... do stress... da casca-grossa (apenas três banhos em 22 dias)... 22 dias de miojo... de roupa úmida... de calor... de sacudir dentro do barco... de isolamento...de barulho do piloto o tempo todo no ouvido (zzimmm...zummmm...zzimmm...zummm....pammm: casco batendo na onda)... de coluna doendo por não ter como se esticar...de enjoo por causa das ondas de três metros sacudindo tudo... tudo molhado de água salgada dentro do barco... impermeável molhado por dentro e por fora... calor de 30 graus à noite e ter que deixar tudo fechado por causa das ondas... A Isabel Pimentel é realmente uma heroína, pois, se para um homem já é difícil, para uma mulher é tudo muito mais duro ainda.
Tive uns cinco, seis dias que realmente estava no paraíso, mas outros 24, 25 dias em que estava no inferno ou muito perto dele, mas não quebrei absolutamente nada no barco. Cheguei em Salvador sem nenhum item a ser consertado! Esta edição foi considerada uma das mais difíceis. Dos 79 participantes que largaram em La Rochelle, 20 não chegaram.
Faltando apenas 100 milhas da chegada, praticamente dentro de casa, peguei uma frente fria com vento Sul de 30 a 35 nós e nuvens negras o tempo todo. Baixei a vela mestra inteira e fiquei somente com a genoa-riso-1 para tentar não quebrar o barco de tanto bater nas ondas curtas e altas.
Foi uma grande alegria chegar amanhecendo em Salvador e, para minha surpresa total, tinha um barco com amigos e familiares me esperando para dar as boas vindas! Quem tem amigos de verdade, tem tudo na vida!
Queria agradecer de coração a todos os amigos que me ajudaram de forma extraordinária nesta campanha, seja apenas com apoio moral ou dedicando tempo e suor. Todos foram muito importantes e imprescindíveis nesta campanha vitoriosa.
Como eu sou o cara mais sortudo do mundo, no final tudo deu certo. Fiz o meu melhor, lutei o tempo todo. Foi muito difícil, mas, com o tempo, só vou ter lembranças dos bons momentos (uma noite estrelada, um dia inteiro surfando, a chegada em casa, etc).
Um grande abraço a todos,
Kan Chuh”