POLÊMICA RISW: O dia em que o gandula tirou a bola em cima da linha

Antônio Alonso, Sobre as Águas

A classe S40 viveu um último dia espetacular na Rolex Ilhabela Sailing Week. Se as duas regatas decisivas fossem jogos de futebol, seriam inesquecíveis por conta dos golaços marcados. Mas uma polêmica falou mais alto. Na última regata… Ou melhor, no último minuto do jogo, um gandula entrou em campo tirou a bola que estava entrando no gol. O gandula não deveria estar lá, mas estava. A bola deveria ter entrado, mas não entrou.

Uma vez eu ouvi na Alemanha, onde passei um tempinho estudando esporte, que não há maior desrespeito com um adversário do que deixar de mostrar o seu melhor em campo (ou, no caso, na raia). E esse não foi – nem de longe – a causa da confusão em Ilhabela. O campeonato foi disputado com unhas e dentes, como tem de ser. Sorte nossa.

Vamos aos fatos: O Pajero começa o último dia com dois pontos de vantagem sobre o Crioula. Duas regatas programadas


Primeira regata:

O Crioula assumiu a liderança logo no começo, enquanto o Pajero errava o lado da raia, descendo no contravento pelo lado de Ilhabela, quando o lado oposto era claramente o favorecido. Parecia que o campeonato seria decidido ali. A situação piorou ainda mais quando o Pajero tentou consertar indo novamente para o lado errado no segundo contravento. Achei que tinha acabado aí. Mas então o Pajero, até então candidato a barco trapalhão do dia fez uma regata dessas de tirar o chapéu. Do último lugar eles foram se recuperando posição a posição até cruzar a linha em segundo, numa chegada emocionante, poucos segundos à frente de outros dois barcos. O Crioula venceu fácil, mas a recuperação do Pajero e a confirmação do segundo lugar em cima da linha foram gols de bicicleta.

Essa situação colocava apenas um ponto de diferença entre os dois adversários. Quem chegasse na frente, venceria. Foi então que o Crioula devolveu o gol de bicicleta com um golaço do meio de campo, na saída de bola, enquanto o adversário comemorava. A equipe gaúcha do clube Veleiros do Sul sabia que a regata seria de marcação. O Pajero fez de tudo para atrapalhar o Crioula e jogar o barco gaúcho para trás da flotilha.

Parêntese sobre essa estratégia: O Brasil aprendeu esse jogo quando Ben Ainslie "tomou" a medalha de ouro de Robert Scheidt na Olimpíada de 2000, em Sydney graças à tática de marcar o adversário. Naquele dia, Robert Scheidt ficou decepcionado com o mundo da Vela, achava que aquilo não era navegação leal. Neste ano, o mesmo Scheidt devolveu o remédio a outro britânico e, graças à marcação, venceu seu terceiro Campeonato Mundial de Star. Hoje, a marcação é uma tática comum, mas quem não sabe fazer direito se dá mal.

Segunda regata:

O Crioula deu uma aula ao Pajero na largada. O barco gaúcho conseguiu jogar o adversário para além da linha da largada antes do tiro de partida. A jogada é tão de gênio que eu só posso comparar mesmo com um gol do meio de campo enquanto o adversário ainda está comemorando o tal gol de bicicleta. Por ter queimado a linha, o Pajero teria de velejar para trás e relargar. Sairia atrás do Crioula, perderia a chance de marcar o adversário e teria uma tarefa duríssima para reconquistar o título, que naquele momento era dos gaúchos.

A polêmica

Bom, aí entra o tal gandula e tira a bola que ia entrar no gol. Como? Aqui começa a polêmica de verdade. O Pajero continuou navegando normalmente. Marcou o Crioula e conseguiu empurrar os gaúchos para o penúltimo lugar. Lógico, o Pajero foi desclassificado da regata, mas o estrago estava feito. O quarto lugar do Crioula entrava na pontuação dos gaúchos. Já os seis pontos do Pajero desclassificado entraram como descarte. André Fonseca, o Bochecha, que é tático do Pajero, afirmou depois da regata que os tripulantes do seu barco não sabiam que haviam largado escapado. Houve protesto formal, mas simplesmente não havia nenhuma prova de que o Pajero teria ouvido o sinal sonoro (acompanhando de uma bandeira) avisando que eles teriam queimado a largada.

Ou seja, o título do Pajero veio por conta do tal gandula, que tirou a bola em cima da linha, quando o Crioula ia marcar gol. É broxante? É. É ilegal? Não, se o Pajero não sabia que havia queimado.

Os juízes erraram na raia? Não. Os umpires não poderiam dar bandeira preta ou desclassificar o Pajero, como alguns sugeriram. A regata é uma regata normal, com um barco que não deveria estar lá. Aliás, o Pajero poderia até recorrer da marcação de que queimou a linha. Não o fez. Quem viu o vídeo da largada (eu não vi), disse que o Pajero não teria chance de recorrer, porque é a queimada é visível.

O caso seria bem diferente se ficasse provado que o Pajero sabia que havia queimado a largada. Há no livro de casos da Isaf, um caso praticamente idêntico, com a diferença de que ali fica claro que o barco infrator sabia que estava queimado e que atrapalhou o adversário conscientemente. Neste caso, o infrator foi desclassificado por atitude anti-desportiva e o barco prejudicado teria direito a uma reparação, o que, no caso de Ilhabela, daria o título ao Crioula.

Se isso fosse na Europa, seria matéria para todas as revistas. A discussão dá espaço para todas as opiniões. Mas eu confesso que quase não escrevi sobre isso. Primeiro, porque ninguém quis falar comigo sobre isso abertamente. Nem um representante da parte prejudicada, a quem ofereci um espaço aqui neste blog. "Não vou falar nada sobre esse assunto. Vocês só ficam olhando e não fazem nada. Mídia assim pra mim, não serve". Não deixa de ser um direito e um protesto. Mas informação é um detalhe importante no meu trabalho aqui.

Decidi escrever porque a Vela merece. É um tema excelente, desses que poderia transformar a Vela em conversa de boteco. No, it’s not going to happen. Mas trabalho com esse esporte há tempo demais e tenho uma responsabilidade com esse espaço aqui no UOL. De vez em quando, tenho que levar a sério.