Livro relembra aventura da família Northfleet em alto mar

Fonte: Zero Hora

Uma família de São Leopoldo celebra os 30 anos de uma aventura de tirar o fôlego. Em outubro de 1982, os arquitetos Jorge e Ilá Northfleet, acompanhados dos filhos adolescentes e de um marinheiro, passaram sete dias navegando dentro de uma tempestade tropical, com características próximas às de um furacão. Seu barco, o Charrua, passou uma semana entre ondas de até 20 metros e chegou a virar no Atlântico.


Quando o quase naufrágio ocorreu, os Northfleet estavam no 11º mês de uma viagem que se iniciara em Porto Alegre, seguira ao longo da costa brasileira e passara pelo Caribe antes de chegar aos Estados Unidos. Em 2 de outubro, uma dia antes de zarpar de Norfolk para a travessia do Atlântico, Jorge foi ao escritório da agência norte-americana que monitora as condições do oceano.

— Providencie bastante combustível, não haverá vento — disseram-lhe.

No dia 10, quando o Charrua estava na metade do caminho entre Norfolk e o arquipélago dos Açores, ficou evidente que havia uma tempestade a caminho: o mar tornou-se calmo, a pressão atmosférica despencou e o horizonte preteou. Os navegantes baixaram as velas, lacraram a embarcação e protegeram-se no gabinete do comandante.

— O barco passou a noite subindo e descendo montanhas de água — diz Ilá.

O momento mais dramático foi vivido às 8h30min do dia 11 de outubro. Uma onda imensa pegou o Charrua de lado e o derrubou, revirando tudo em seu interior. A filha do casal, Vivian, recorda desse mergulho:

— Lembro que nós estávamos deitados e de repente tudo ficou azul, porque a luz era filtrada pela água do mar ao redor do barco. Eu era uma garota de 12 anos e não tinha noção do perigo. Achei bonito — conta ela.

Depois de minutos, o Charrua, de 15 metros de comprimento, endireitou-se. Presos a cabos de aço, o comandante Jorge, seu filho Edward, com 14 anos, e o marinheiro Marcelo Aaron arrastaram-se ao convés para avaliar estragos.

— As ondas eram gigantescas. E o vento não era pouca coisa — diz Jorge.

O estoque de combustível tombara no mar, uma das balsas voara e as antenas do radar e do rádio quebraram-se, deixando a tripulação incomunicável.


Uma semana com a roupa encharcada e salva-vidas

Quando o trio masculino retornou ao gabinete, Ilá segurava a sacola de mantimentos, pronta para deixar o Charrua.

— Imaginei que tudo havia quebrado. Pensei que iríamos para a balsa, como nos livros de aventura, e que viraríamos comida de tubarão — conta.

Para se salvar, os Northfleet optaram por navegar com o vento. Recebendo-o de popa, reduziam-se as chances de naufrágio. Vieram então vários dias de surfe sobre as ondas gigantes. O barco subia na crista e tombava, mergulhando na vaga anterior. A tripulação passou uma semana com a roupa encharcada, sempre de salva-vidas.

No auge da tempestade, com o barco sacudindo, Marcelo Aaron teve de subir no topo do mastro, para soltar uma vela que ficara presa, e mergulhar no mar revolto, para cortar um cabo que se prendera à hélice. Durante todo o tempo, os três homens, atados a cabos de aço, revezavam-se de duas em duas horas no leme.

Depois de uma semana no meio da tormenta, os ventos amainaram e as ondas encolheram. O Charrua havia sido empurrado de volta para a costa dos EUA. Quando se aproximaram de Norfolk, uma outra tempestade, que afundou barcos e matou gente, pareceu-lhes uma brisa à toa. Entraram no porto 23 dias depois da partida.

— Nos sentimos a salvo — conta Jorge.

Epopeia narrada em livro

Para marcar os 30 anos da aventura no meio da tormenta, os Northfleet reúnem-se quarta-feira à noite no lançamento de um livro que recupera em detalhes sua jornada pelo Atlântico. Escrito por Marilene Müller de Vargas, Os Northfleet no Olho do Furacão será lançado no Clube dos Jangadeiros, onde começou a viagem com o Charrua, em dezembro de 1981.

Marilene passou dois anos entrevistando Ilá. Também recorreu ao diário de bordo, a documentos, a cartas e a depoimentos de todos os tripulantes. Ela conta, por exemplo, o destino posterior do Charrua, vendido a uma família de São Paulo e rebatizado de Risoleta. Mais recentemente, o barco recuperou o nome original em Santa Catarina.

Os Northfleet não se desfizeram dele por desilusão com os perigos do mar. Nada disso. Venderam-no porque já estavam empenhados na construção do Charrua 2, com controles na parte interna. Depois do Charrua, o casal, que vive em um apartamento decorado com motivos náuticos, teve três embarcações e navegou muitos mares.

Marcelo Aaron, apesar de ter virado capitão nos Estados Unidos, segue em contato. Um dos reencontros dos cinco tripulantes do Charrua ocorreu na casa dos Northfleet em Passo de Torres (SC), em março de 2004 — justamente quando a região foi assolada pelo furacão Catarina, o único já registrado no Atlântico Sul.

— Em terra é mais perigoso. Voam coisas e faz mais barulho — garante Vivian.

Serviço

O que: Lançamento e sessão de autógrafos do livro Os Northfleet no Olho do Furacão (Editora AGE, 262 páginas, R$ 59)

Quando: quarta-feira, às 19h

Onde: Clube dos Jangadeiros (Rua Ernesto Paiva, 139, Porto Alegre)

Informações: www.northfleet.com.br