Wind: Técnico de Bimba diz que indecisão da Isaf custou caro a atletas
Fonte: Blog Sobre as Águas
Fernando Pasqualin é um dos windsurfistas brasileiros que teve o cruel destino de viver na "era Bimba". Não podendo derrotar o adversário que se tornou hegemônico no Brasil, Pasqualin acabou se unindo a ele e hoje é técnico de Ricardo Winicki, o famoso Bimba. Fernando acompanhou de perto o drama que se sucedeu à saída da prancha a vela das Olimpíadas. Segundo a decisão do encontro da Isaf em maio, o kitesurf iria substituir o wind já na Olimpíada do Rio, em 2016. Num sistema de votação que privilegia os interesses particulares de países sem tradição na Vela, o windsurf, rei de popularidade entre velejadores jovens, foi eliminado dos Jogos. E isso justamente num momento em que a Isaf reconhece estar enfrentando uma crise de popularidade, especialmente entre os jovens.
A decisão revelou, mais uma vez, como o sistema de votação privilegia interesses particulares de países muitas vezes sem tradição nenhuma na Vela. Foi principalmente o voto desses países que tirou, também, a classe Star das Olimpíadas do Rio.
Numa conversa com este blog, Fernando Pasqualin conta como foi a saga para recolocar o Wind nas Olimpíadas. Se dependesse das votações, o pedido de reavaliação não seria nem considerado na reunião de novembro. Foi a Assembléia Geral da Isaf que decidiu usar seu poder para rever decisões tomadas em maio. Por maioria simples, o wind voltou. A Star, infelizmente, não tem a mesma chance.
1) Você tinha alguma esperança que a decisão fosse revertida?
Até o início da reunião da Isaf, na semana passada, eu tinha total confiança na volta do Windsurf. Você deve saber que o trabalho foi muito grande para que isso acontecesse. A NeilPryde pagou para que o Bimba e outros atletas profissionais fossem até a Irlanda convencer os delegados. Mas depois do resultado da sexta-feira, quando os delegados dos grupos de países decidiram não reabrir a votação, confesso que perdi qualquer esperança. Vi o esporte que que pratico desde os sete anos de idade, e que amo, ser retirado da Olimpíada e fiquei muito triste. Triste não por atletas profissionais como o Bimba, que rapidamente se adaptariam ao Kite, mas triste por todos aqueles que, como eu, não iriam mudar seu gosto. O resultado final, reconhecendo o erro de Maio, foi uma surpresa para todos!
2) Esse processo teve coisas estranhas, como o boato de que o delegado espanhol teria dormido na hora da votação. Conte como foi.
Olha, eu não sei sobre esse caso do espanhol, mas houve muita controvérsia sobre a votação de Maio que envolviam desde delegados errando na hora da votação até outros que mentiram para seus países dizendo que votariam no Windsurf e acabaram votando no Kite. Mas esse pessoal teve a vida bastante azucrinada pela enorme comunidade do Windsurf mundial e bastante tempo para pensar nos erros.
3) E como foi o trabalho para reverter a decisão?
Desde a votação de Maio, a petição a favor do Windsurf reuniu 33 mil assinaturas. Pessoas influentes e atletas consagrados no Windsurf profissional que não têm nada a ver com os Jogos Olímpicos entraram na campanha. Nesse meio tempo, foram feitos relatórios e demonstrações que explicavam melhor do que se tratava a competição Olímpica e porque o Windsurf não poderia ser substituido pelo Kite. Mr. Neilpryde, o dono da marca fabricante dos equipamentos RS:X e líder mundial em esportes de prancha, entrou forte na campanha. A classe RS:X entrou com uma ação judicial contra o processo de Maio e muita discussão foi feita nas redes sociais. Posso dizer que essa situação uniu muito os Windsurfistas de todos os tipos. Foram feitos adesivos e camisetas a favor da causa e distribuidos pelo mundo. Recentemente, no campeonato Sul-Americano de Formula Experience na Bahia, uma empresa decidiu patrocinar a impressão de centenas de adesivos pró Windsurf Olímpico e distribuir entre todos os competidores. O próprio sócio da empresa Bauerfeind, fabricante de órteses e meias de compressão, foi até Salvador entregar pessoalmente os adesivos. Os esforços culminaram com uma equipe de atletas de peso, financiada pela Neilpryde, que foi até a Irlanda convencer os delegados a votarem pelo Windsurf. O Bimba foi um deles. Viajou com cartazes e apresentações sobre os garotos humildes de seu projeto social, como eles teriam seu sonho destruído caso a decisão pelo Kite fosse mantida, e ele (Bimba) fosse obrigado a encerrar o projeto sem as constantes doações.
4) O Bimba, o Albert de Carvalho e vários outros atletas chegaram a treinar de kite. Como eles estavam se saindo?
Assim como o Bimba e o Albert, boa parte dos velejadores de RS:X presente nos Jogos de Londres ja estava treinando diariamente de Kite. O aprendizado de cada um seguia o rítimo de suas habilidades pessoais. Tenho certeza que todos aprenderiam, ja que o Wind e o kite são esportes parecidos. Mas também é preciso dizer que no Brasil e em vários países, ja existem atletas competindo em altíssimo nível no Kite Race, os Windsurfistas teriam bastante dificuldade em alcançar este nível. No último campeonato mundial, tivemos o Paraibano Wilson Veloso e o Paulista Victor Adamo (o Pimpolho) ocupando a décima e a décima quarta colocação respectivamente. Um resultado fantástico para o Brasil!
5) Essa indecisão da Isaf custou caro para os atletas pelo mundo. Isso cria uma insegurança, dificuldade para conseguir patrocínios?
Esta indecisão custou caríssimo para os atletas. Muitos deles, mesmo consagrados no Windsurf, eram incógnitas no Kite, e tiveram financiamento público e privado cortado. O fim deste ano é um período chave para a captação de patrocínios e esta indecisão complicou muito este processo. No Brasil, com a Olimpíada em casa, as grandes empresas estão tomando decisões importantes para o futuro dos investimentos em esporte, e esta situação atestou não só contra os velejadores de Windsurf, mas a vela como um todo. Estou envolvido pessoalmente na captação de patrocínios para a campanha do Bimba e posso dizer que, ao contrario de outros atletas da vela, ele tem sorte de contar com uma empresa "ponta firme", que fez questão de renovar o apoio com ele, apesar da indefinição. Boa parte dos outros velejadores está sem patrocínio.
6) O Bimba é o nome dominante da prancha há quase 20 anos aqui no Brasil. Há dificuldade de renovação?
O Bimba é o melhor do Brasil desde 1997 (perdeu a seletiva para os jogos de Atlanta 1996, aos 15 anos de idade, por um ponto!) e desde então não deu chances aos seus adversários. Foi bi-campeão mundial junior, tri-campeão panamericano, campeão mundial e se mantém por mais de dez anos entre os melhores do Ranking. Neste meio tempo, vários outros desistiram do Windsurf Olímpico por acreditarem não ter chances contra ele. Eu fui um deles. Mesmo treinando com a ajuda do próprio Bimba e tendo feito um mundial em 2005 na flotilha Ouro com 17 anos, eu me vi sem chances de brigar pela vaga Olímpica. Para resumir, é como se o Robert Scheidt nunca tivesse saído da classe Laser, será que ainda teríamos renovação? É dificil saber.
A vela Olímpica se profissionou de tal maneira que afasta os amadores da raia e cria um abismo técnico e físico entre os profissionais e aqueles que almejam um lugar ao sol. Das dez classes do programa Olímpico, quantas delas tem renovação no Brasil? Só há lugar para quem é muito talentoso e ainda conta com vários outros fatores como pais que incentivam($), condições favoráveis e obstinação sem fim! Nesta linha, o Brasil tem sorte de ter nomes como o Jorginho Zarif, a Patrícia Freitas e a Martine Grael, atletas de classe mundial, que são resultado apenas do esforço pessoal e do apoio das famílias.
O Brasil está muito longe de proporcionar renovação para as nossas classes Olímpicas. Para que isso aconteça é necessário aproximar o Optimist e as demais classes de Vela Jovem das classes Olímpicas, promover clínicas e palestras com velejadores profissionais, criar centros de treinamento e muito mais. Tudo isso ja foi discutido, temos pessoal qualificado para o trabalho, condições ideais para a prática do esporte, mais de 500 crianças praticanto vela de competição pelo Brasil e dois dos melhores velejadores da história dos Jogos Olímpicos que tem conhecimento de sobra para ser absorvido. Por que nada disso aconrece? É uma boa pergunta.