A chave que poderia ter salvado o Titanic: mais uma controvérsia, dentre tantas
Por Danilo Chagas Ribeiro
A notícia soa esquisito. Afinal, quem sabia que uma chave poderia ter mudado o destino do Titanic, depois de todo o dito, relatado e filmado?
A pequena chave que foi a leilão em agosto de 2007 trancava o armário dos binóculos para uso no cesto de gávea ("ninho de pega", crow nest, ou aquela barrica no mastro dos navios-piratas para observação). O acidente nas águas geladas do Atlântico Norte ocorreu em 14 de abril de 1912, matando 1522 pessoas. Na época não havia radar nem sonar.
Binóculos eram equipamentos de segurança da maior importância. Sem eles, os tripulantes do cesto observavam a olho nu, como os piratas antes do Descobrimento. Fred Fleet, um destes tripulantes, sobreviveu. No inquérito sobre o acidente, nos EUA, ele informou que teria avistado o iceberg mais cedo se tivesse binóculos. O senador Smith, que chefiava o inquérito, perguntou "Quanto mais cedo?". Fleet respondeu: "O suficiente para sair do caminho".
Chave no bolso
Na véspera da partida do Titanic, a White Star Line, dona do navio, decidiu que o Second Officer David Blair não viajaria. Ele já tinha feito a perna Belfast - Southampton mas resolveram substituí-lo "no último minuto" por Henry Wilde, que ocupava cargo idêntico no segundo maior navio do mundo, o Olympic. Na correria para debandar, Blair esqueceu a chave do armário no bolso. Dias antes disso acontecer ele mandou um postal para a cunhada dizendo que temia ser substituído por um 2nd Officer do Olympic. Este cartão, aliás, será fornecido junto com a chave no leilão.
Sem ondas para salientar o iceberg
Às 23:40h, faltando apenas 20min para terminar o turno dos dois lá na cesta, enregelados ("bitterly cold"), Fred fez soar o gongo do cesto 3 vezes, indicando perigo à frente e, pelo telefone, informou "Iceberg bem na frente!" ("Iceberg right ahead!"). Como a noite era absolutamente calma, não havia ondas quebrando na base do iceberg, dificultando sua visualização.
Invertendo os comandos mas mantendo a tradição
O Primeiro Oficial ordenou todo leme a boreste ("hard-a-starboard") e mandou parar as máquinas e dar toda a força à ré. O timoneiro deu todo leme a bombordo. O Titanic guinou a bombordo e abalroou o iceberg por boreste. No Reino Unido de 1912 ainda era utilizada a convenção antiga para comandos de leme. Leme a boreste significava levar o timão para boreste, e com isso girar a embarcação para bombordo. Com o uso da roda de leme, os ingleses mantiveram a convenção e passaram assim a dar comandos invertidos. O timoneiro agiu corretamente, portanto, como mostrado no filme de James Cameron. A convenção foi mantida até 1º de janeiro de 1933 no Reino Unido, quando passou a prevalecer o que todo o resto do mundo já utilizava: "starboard" passou a significar guinar a embarcação para a direita. Falta ainda os ingleses inverterem a mão do trânsito de veículos...
"Ready About! Lee-oh!"
Uma evidência de que a tradição desta forma de comandar o leme ainda se impõe na língua inglesa é que, quando o timoneiro de um veleiro está pronto para virar de bordo, grita "Ready About! Lee-oh!". "Lee" vem de "leeward", como sota vem de sotavento, significando que o timoneiro está pronto para empurrar o timão para sotavento e assim fazer o barco ir na direção do vento (orçar para virar de bordo). A ordem de comando, no entanto, continua idêntica nos barcos com roda de leme, onde o movimento é feito em direção a barlavento.
450m para começar a guinar
Testes realizados com o Olympic, navio irmão do Titanic, mostraram que no regime em que este navegava, seriam necessários 37 segundos entre dar todo o leme e o navio começar a mudar a proa. Nesse tempo o navio teria andado 466 jardas. Com mais alguns segundos para dar a ordem, consideraram 500 jardas, ou 450m. Essa foi a distância estimada do iceberg quando o alarme soou.
Telegramas para a tripulação x informações sobre o tempo
O Comandante Lord, do cargueiro Californian, vinha perto, talvez a menos de 10mn do Titanic, em sentido contrário. E avisou pelo rádio que tinha avistado um "campo de gelo" (icefield). A área com icebergs foi estimada em 90mn de extensão. Lord parou o Californian às 10 da noite com medo de abalroar icebergs. O Titanic sequer reduziu a velocidade. O telegrafista que recebeu as notícias sobre os icebergs estava aporrinhado com centenas de telegramas enviados aos passageiros (baboseiras, em grande parte, imagino) e não deu bola. Sofria pressão da companhia para entregar telegramas a bordo.
Estrelas cadentes x luzes de emergência
O pessoal no turno da noite a bordo do Californian viu luzes no horizonte na hora do naufrágio. Várias vezes. O oficial da noite avisou o comandante, que dormia, mas informou também que havia visto, pelo menos duas vezes, estrelas cadentes no mesmo azimute. Não deram bola para as luzes, mas presumiram no dia seguinte que eram do Titanic.
Avisar sobre a chave? Mas nem pensar!
Não havia binóculos na cesta de gávea do Titanic. Mas em nenhum outro posto do navio havia binóculos? E tampouco alguém que conseguisse um par emprestado entre quase 2.000 passageiros? Pelo jeito, também não havia um pé-de-cabra a bordo para abrir o armário. E de tão vagabunda que aparenta ser a chave, uma chave de fenda bem jaguara já resolveria. Ou ninguém sabia de quem era o armário, e nem o que havia ali dentro. Ao que parece, Blair não mandou um telegrama para o navio avisando da chave. Ou mandou e acabou extraviado dentre tantas abobrinhas enviadas para bordo? Contente com a companhia é que não deveria estar.
Até que ponto a chave realmente fez diferença? Quanto valeu essa chave? Mais um questionamento dentre tantos na tão controvertida história do Titanic. E por que o assunto ficou submerso por 95 anos?
O valor da chave E o valor da chave, hoje?
O lance inicial é de US$150.000, e o leilão ocorrerá em Devizes, UK.
Fonte: Telegraph.co.uk e pesquisa em diversos sites