História da Ilha das Pedras Brancas
Navegando na panela, rajada de tiros e outras histórias mais…
Por Danilo Chagas Ribeiro
A Ilha das Pedras Brancas, ou Ilha do Presídio, tem muita história. Apesar da ilha ter pedras grandes e vistosas, sua denominação, deduzo, não se deve a elas, mas ao fato de estar em frente ao lugar antigamente denominado Pedras Brancas, hoje município de Guaíba. Abandonada há mais de 20 anos, a ilha já foi ponto estratégico dos Farrapos, depósito de pólvora, laboratório de pesquisa da peste suína, e prisão.
Localização geográfica
A ilha, que pertence ao município de Guaíba, como informa a geógrafa Egidelisa Leal Kanan, tem 140m de comprimento, largura variável de 30 a 80m, e é rodeada por grandes pedras, ou matacões, de granito. O acesso é possível pela costa oeste, mas não tem atracadouro. Situa-se a 2,4km a oeste da Ponta dos Cachimbos (rumo 270 a partir da Vila Conceição, Porto Alegre) e a 2,2km a leste da costa de Guaíba. Quem chega a Porto Alegre vindo do sul pelos canais de navegação, deixa a Ilha do Presídio a 500m por boreste. O centro da ilha está em algo como W051º17,260′ S30º 07,290′ (veja carta náutica mais abaixo).
Revolução Farroupilha
Foi em Pedras Brancas, em 1.835, que começou o bochincho dos Farrapos contra o Império. A ilha era estratégica para os revolucionários acampados logo ali na costa. Centenas de homens embarcaram na Praia da Alegria para tomar Porto Alegre, dando início à Guerra dos Farrapos. Mais adiante a ilha foi posto de observação dos imperialistas. Segundo o Comte Tau Golim, velejador, historiador e autor de vários livros sobre a história do Rio Grande, a Ilha das Pedras Brancas foi também ponto de travessia dos rebeldes. A última travessia pela ilha foi empreendida pelo General Antonio de Souza Netto, conta Tau, em retirada a uma frustrada invasão comandada por Bento Gonçalves a S. José do Norte. Segundo o historiador, “Bento enfiou o seu exército naquela nesga de território com uma única entrada e saída, e sem esquadra de apoio. Pois na retirada, Netto fortaleceu as tropas de Canabarro atravessando pela Ilha das Pedras Brancas”.
Ilha da Pólvora
Em 1.857 o governo construiu duas casas para armazenar munição na ilha. Foi quando passou a ser conhecida como Ilha da Pólvora. O depósito não durou muito ali, como também não durou o da Ilha da Pólvora em frente ao cais do porto de Porto Alegre. A umidade nas ilhas é um problema sério para a munição. O compositor nativista Mano Lima diz em um de seus versos: “De que me adianta eu socar pólvora nos cartucho, se as umidade me molharam as espoleta?”.
Ilha do Presídio
Em 1956 um presídio foi construído na ilha, tendo funcionado até 1973. Neste período abrigou presos políticos do regime militar (anos 60). O presídio foi reativado novamente em 1980 e funcionou até 1983. Há registros de arbítrio e de mortes não esclarecidas.
Rajada de tiros: a “Invasão” do presídio
O Comandante Jorge Vidal, ex-Comodoro e atual Presidente do Conselho do Veleiros do Sul, escreveu em sua obra “Conta todas, vovô!” um episódio da regata Porto Alegre-Rio Grande, em 3 de março de 1.971. “Eram exatamente 22 horas quando foi dado o tiro de largada, com vento soprando do quadrante leste. Eis que velejando próximo à Ilha do Presídio, os participantes da regata foram surpreendidos por uma rajada de tiros disparados pelos guardas do presídio, assustados com o que imaginavam ser uma invasão. Tudo esclarecido e passado o susto, os velejadores seguiram rumo à Lagoa dos Patos”.
Navegando na panela
Várias fugas audaciosas foram noticiadas ao longo do tempo. A mais incrível foi a de um prisioneiro que teria navegado em direção à praia de Ipanema a bordo de uma panela da cozinha do presídio. Para remar, o fugitivo teria usado uma colher de pau. Foi algo tão sensacional que teria culminado com o fechamento do presídio em 1983. Daí a acreditar que alguém possa remar em uma panela é outra conversa. Depredação e abandono Quando em 1983 o presídio foi desativado, o controle da ilha passou da Secretaria de Segurança para a Secretaria de Turismo do estado. Foi aí que ocorreu a maior depredação da ilha, ou melhor, do presídio. O telhado foi arrancado, e as grades serradas e levadas dali, certamente para serem vendidas como sucata. Até as escadas metálicas de acesso às guaritas foram arrancadas.
Depredação e abandono (bis)
De lá pra cá pouca alteração houve na ilha. A alvenaria das guaritas foi depredada. Picharam o que restou da ilha e esparramaram lixo por lá, além do que desce rio abaixo e encalha nas pedras. Não há excursões turísticas para lá. É muito raro, mas de vez em quando se vê um veleiro ou uma lancha fundeada na costa oeste da ilha, imaginando-se que pode ter havido desembarque. Na última vez que contornei a ilha ouvi tiros e dei meia-volta. Poderia ser apenas alguém praticando tiro-ao-alvo, mas preferi não conferir.
Conservação ambiental
Do ponto de vista da conservação ambiental, a pequena ilha não tem representatividade significativa quanto à conservação da diversidade das espécies, ainda que possa ser valorizada quanto à conservação do ambiente e da beleza cênica, informa o biólogo e professor titular da PUC Nelson Fontoura, um velejador estudioso do Rio Guaíba.
O governo e a ilha
As secretarias de turismo municipal e estadual não têm feito nada pela ilha, apesar de cada novo governo alentar com obras por lá. Como não há energia elétrica nem água potável, nem prédio habitável, nem trapiche, nem infra-estrura alguma, qualquer projeto demandará investimento razoável. Os empresários que transportam turistas no Guaíba poderiam ter interesse no local, mas seus barcos são próprios para navegar em águas abrigadas, como as do Delta do Jacuí. A ilha das Pedras Brancas é atingida por todos os ventos, a pleno.
A ilha hoje
O contorno da ilha das Pedras Brancas é um dos destinos preferidos dos navegadores para levar amigos que não conhecem o Rio Guaíba. A ilha tem um visual muito bonito e está a apenas 1,5mn do Clube dos Jangadeiros. “É um lugar que parece amaldiçoado pelas ruínas do velho cárcere. Vale como curiosidade. Eu prefiro passar pelo través.”, disse o esquadrinhador do rio Guaíba, Comte Geraldo Knippling, em sua obra “Descobrindo o Guaíba”.
*Matéria publicada originalmente pelo Popa.com.br em 11 Mai 2002
*As matérias escritas por colunistas expressam as opiniões dos autores, sem interferência do Clube. Portanto, não servem como porta-voz do Veleiros do Sul.